Dom Pedrito – Greve da CEEE não acontecia há 23 anos
A última greve dos funcionários da CEEE pleiteando questões salariais aconteceu em 1991, no governo de Fernando Collor de Mello. A moeda era o cruzeiro. A CEEE atuava como distribuidora em todo o estado do Rio Grande do Sul. Por que, então, depois de 23 anos, em configurações política, econômica, e do setor elétrico completamente diferentes do que tínhamos à época, os eletricitários precisaram usar este último recurso? A mídia fala em reposição salarial, plano de saúde, e duas siglas: PPR e PCS. O público fica sem entender, porque a notícia é incompleta, fragmentada. Explicando cada uma separadamente:
– Reposição salarial: a CEEE propõe aplicar o INPC do período, que é de 5,38%, porém em quatro parcelas (a última proposta da empresa é que seja feito em duas parcelas). A aplicação do INPC seria o mínimo para recomposição das perdas. O sindicato pediu 12% na pré-pauta do Acordo Coletivo, índice no qual cabe negociação.
– Plano de saúde: como o reajuste incidirá sobre as demais cláusulas econômicas, os eletricitários se mostram preocupados com a questão do plano de saúde, o qual nos últimos meses teve aumento médio próximo a 25%.
– PPR (Plano de participação nos resultados): Em cumprimento a Lei 10.101/2000, a CEEE instituiu o seu programa de participação nos resultados, pelo qual é instituído um conjunto de metas desejáveis para a empresa (assim sendo, pela lógica, se as metas foram cumpridas é sinal de que a empresa está atingindo suas expectativas – em outras palavras – está “saudável”).
O PPR consta como cláusula no Acordo Coletivo da categoria, e é pago costumeiramente em duas parcelas, proporcionalmente ao cumprimento das metas estabelecidas. A questão está que em 2013 a empresa alegou – “no apagar das luzes” – falta de recursos para o pagamento do PPR, mesmo que os eletricitários tenham feito a sua parte, atingindo as metas de 2012. Assim, a CEEE propôs o pagamento do PPR em folgas, através de um cálculo que permitiu a conversão do valor em dias para gozo do benefício. Isso causou dois problemas: o trabalhador sentiu o corte súbito e inesperado no orçamento, o acordo coletivo de 2013 acabou indo a dissídio na justiça; e o efetivo nas unidades da empresa (que já não é o suficiente) sofreu um duro golpe: menos atendentes nos guichês e no 0-800, menos equipes nas ruas.
– PCS (Plano de Cargos e Salários): era algo comum fazer concurso para a CEEE, passar, assumir, e pouco tempo depois, deixá-la. Ou por conseguir vaga em outro concurso público, ou em alguns casos, até a iniciativa privada mostrava-se mais atrativa. A rotatividade de funcionários era grande, gastava-se muito com treinamento, e isso preocupava. Após debate interno, a CEEE constituiu em 2006 as bases para o seu plano de carreira (o PCS), com vistas a manter e qualificar o quadro de funcionários, estancando a rotatividade. O plano estabeleceu-se na prática em 2009, quando houve as primeiras promoções. Cursos dentro e fora do âmbito da CEEE (inclusive superior e pós-graduação, dependendo da carreira) e tempo de empresa são fatores que rendem pontuação ao empregado, que, motivado, passou a procurar qualificação e reciclagem. Pois no mesmo 2013, e na mesma ocasião em que “podou” o PPR, a direção da CEEE também congelou as promoções em níveis no PCS, que eram feitas de dois em dois anos (as anteriores haviam sido em 2009 e 2011). Resta lembrar que esta também era uma cláusula do acordo coletivo que foi descumprida pela direção. Dessa forma, muitos funcionários que nesse período dispenderam recursos com qualificação ficaram com o prejuízo, na esperança da promoção que não veio.
Mas a questão ainda é mais complexa. Os eletricitários também denunciam os problemas de infraestrutura com os quais precisam lidar diariamente. Já não bastasse o serviço que naturalmente requer atenção minuciosa com a segurança, eletricistas e eletrotécnicos submetem-se a conduzir veículos muitas vezes sem condições adequadas, e que não raro, atrasam o serviço: um dia, apresentam problema de bateria; outro dia, pneus sem condições; em outro, arranque, óleo, suspensão, e por aí vai. Algumas caminhonetes estão paradas no pátio, o que exige um verdadeiro malabarismo para ver qual equipe sairá com qual veículo. Os esforços para renovação de frota não contemplam a necessidade total de quem precisa do veículo para trabalhar.
Na “linha de frente”, atendentes enfrentam diariamente a agência lotada. São de quarenta a cinquenta atendimentos diários por funcionário, de oito a dez minutos em média. Isso se deve basicamente a dois motivos: reclamações por serviços atrasados (é o reflexo da infraestrutura deficitária) e pedidos de serviços simples – como emissão de segunda via que poderia ser tranquilamente emitida através do site da empresa. E mesmo assim, o atendimento prestado (presencial e tele) ainda é superior quando comparado a muitas empresas privadas, e está em pé de igualdade com as concessionárias concorrentes no estado. O comprometimento da equipe com a empresa é um. A recíproca…
A empresa tem alegado com frequência a preocupação com a renovação da concessão por parte do governo. A bem da verdade, a redução na tarifa de energia que foi propagandeada pelo governo federal no ano passado, serviu apenas para antecipar a concessão da parte geradora e transmissora (GT), mas a distribuição ainda é assombrada por esse “fantasma”. A esperança estava no crédito do CRC, um dinheiro que viria equilibrar as contas e garantir o investimento necessário. Mas o governo estadual abocanhou um valor estimado em R$ 1,3 bilhão para o caixa único (a oposição contesta esse objetivo na Assembleia), sob alegação que assumiria o pagamento dos aposentados ex-autárquicos da Companhia. Há quem afirme que o governo estaria preparando o terreno para a entrega do patrimônio.