Sétima Câmara Criminal mantém a condenação de dois homens condenados por crime contra as relações de consumo, mas diminui a pena dos réus

Também na última quinta-feira (17), os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, José Antônio Daltoé Cezar, Jucelana Lurdes Pereira dos Santos e José Conrado Kurtz de Souza (Relator), decidiram, por unanimidade, em prover o apelo do Ministério Público e prover, em parte, o apelo defensivo para redimensionar as penas privativas de liberdade dos réus Luis Alberto Rosa Machado e Claudistino Rosa Machado acusados pelo crime contra as relações de consumo, a 03 (três) anos de reclusão em regime semiaberto.
Relembre o caso divulgado pelo Portal Qwerty em uma de suas primeiras matérias policiais
Policiais civis de Dom Pedrito prenderam em flagrante, na manhã desta terça-feira (26/11), dois dos maiores abigeatários da região da campanha. Segundo a delegada Marina Machado Dillenburg, Luis Alberto Rosa Machado e Claudistino Rosa Machado atuavam há 30 anos na região da campanha furtando bovinos para a venda ilegal de carne imprópria para consumo humano.
Conforme a delegada, foi lavrado auto de prisão em flagrante por furto qualificado pelo concurso de pessoas, bem como pelo crime de associação criminosa. Os criminosos estavam sendo investigados há cerca de quatro meses, através de escutas telefônicas, campanas e outras diligências. A Polícia Civil de Dom Pedrito também apurou durante as investigações diversas pessoas que adquiriam a carne furtada para venda de refeições.
O voto do relator
Conforme o Des. José Conrado Kurtz de Souza, “Luis Alberto Rosa Machado e Claudistino Rosa Machado foram condenados como incursos nas sanções do art. 7º, IX, da Lei 8.137/90 (FATO 2), às penas privativas de liberdade de 04 (quatro) anos de reclusão, a serem cumpridas no regime semiaberto. Ainda, os réus foram denunciados com incursos nas sanções do art. 155, § 4º, IV, do Código Penal (FATO 1), tendo sido absolvidos da referida imputação, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Realizada a exposição da prova oral colhida em juízo, passo à análise individualizada dos recursos de apelação”.
APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÙBLICO
Postula o Parquet a condenação dos réus nas sanções do art. 155, § 4º, IV, do Código Penal. Da análise dos elementos de prova prospectados nos autos, não é possível atribuir a prática do crime de furto (FATO 1) aos réus, pois que eles não foram vistos pela testemunha Noeci saindo do local de onde foi furtado o gado, bem ainda não foi demonstrado que a carne apreendida com os réus era do animal subtraído. Como se vê, a prova constante nos autos, sobretudo pelos relatos dos policiais militares Marco Aurélio Simões Félix, Claudiomiro Carrion Lemos e Wilson Luis Madruga, apontou apenas que na residência do réu Claudestino havia sinais de que um animal havia sido recentemente carneado, além de ter sido apreendida uma quantidade de carne sendo transportada pelos réus no carro de Claudistino2. Anote-se que não foi encontrada qualquer identificação na carne apreendida que levasse à conclusão de que o animal abatido, e carneado, era o mesmo furtado da Estância Carunilha. E, neste ponto, é importante destacar que o capataz da referida fazenda, a testemunha Noeci, foi categórico ao dizer que não realizou o reconhecimento da carne apreendida, inclusive pontuou que só viu a carne na Delegacia de Polícia, e que ela não tinha qualquer identificação.
Reforçando a dúvida instaurada no presente, ressalta-se que os policiais militares Marco Aurélio, Wilson Luis, Claudiomiro e Julio Cesar, e os policiais civis Patrício e Lauro foram uníssonos em apontar que os réus realizavam diversos furtos de animais bovinos, inclusive sob encomenda, havendo a possibilidade, portanto, de que a carne encontrada na posse dos acusados seja de outro animal que não aquele de propriedade da Estância Carunilha, tendo em vista que se trata de uma localidade rural, onde a pecuária é prática habitual na região.
Ademais, vale acrescentar que as denúncias anônimas referidas pelos policias militares e civis ouvidos em juízo não são suficientes para comprovar a autoria do crime, uma vez que se trata de mero elemento informativo, no qual não há compromisso com a verdade3, e que, no fato em análise, não encontra respaldo na prova produzida em juízo, conforme já analisado. Dito isso, diante da dúvida instaurada, e não havendo nos autos outros elementos judicializados que efetivamente esclareçam a autoria delitiva dos réus, a manutenção da absolvição é medida que se impõe, em respeito ao princípio in dubio pro reo, fundador do estado de inocência, de estatura constitucional4.
APELAÇÃO DEFENSIVA
Pretende a defesa a absolvição dos réus quanto ao crime de previsto no art. 7, IX, da Lei n° 8.137/90. Segundo o previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990, in verbis:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: […]
IX – vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Com efeito, a apreensão de mercadoria de origem animal, e a constatação da condição imprópria ao consumo, para fins de demonstração do crime referido, dependem de exame pericial.Nesse sentido, cito os julgados do Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. FABRICAÇÃO E DEPÓSITO DE PRODUTO EM CONDIÇÕES IMPRÓPRIAS PARA O CONSUMO. INCISO IX DO ART. 7º DA LEI 8.137/90, COMBINADO COM O INCISO II DO § 6º DO ART. 18 DA LEI Nº 8.078/90. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. CRIME FORMAL. PRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DA EFETIVA NOCIVIDADE DO PRODUTO. REAJUSTAMENTO DE VOTO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA IMPROPRIEDADE DO PRODUTO PARA USO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ÔNUS DA PROVA DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Agentes que fabricam e mantém em depósito, para venda, produtos em desconformidade com as normas regulamentares de fabricação e distribuição. Imputação do crime do inciso IX do art. 7º da Lei nº 8.137/90. Norma penal em branco, a ter seu conteúdo preenchido pela norma do inciso II do § 6º do art. 18 da Lei nº 8.078/90. 2. São impróprios para consumo os produtos fabricados em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação. A criminalização da conduta, todavia, está a exigir do titular da ação penal a comprovação da impropriedade do produto para uso. Pelo que imprescindível, no caso, a realização de exame pericial para aferir a nocividade dos produtos apreendidos. 3. Ordem concedida. (HC 90779, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 17/06/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-02 PP-00244).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ARTIGO 7º, INCISO IX, DA LEI 8.137/90. EXPOR À VENDA MERCADORIA EM CONDIÇÕES IMPROPRIAS AO CONSUMO. PRODUTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. MATERIALIDADE. PERÍCIA. IMPRESCINDIBILIDADE.
“No ponto, é bem ter-se presente que os réus confessaram que no galpão existente na residência do réu Claudistino eram realizados abates de animais, os quais eram carneados naquele local. Assim sendo, demonstrado, estreme de dúvidas, que a carne encontrada na posse dos réus foi abatida na residência de Claudistino, bem ainda que o produto alimentício apresentava condições impróprias para o consumo humano. Tendo em vista o previsto no tipo penal em comento, além da demonstração do ato de ter em depósito matéria-prima imprópria para o consumo humano, é necessário que se evidencie o objetivo de venda desta mercadoria. No caso dos autos, a prova é robusta a apontar que os réus pretendiam comercializar a carne apreendida, sobretudo pela palavra dos policiais militares e dos policiais civis ouvidos em juízo, que foram uníssonos em relatar que as carnes estavam ensacadas para venda, e que as informações obtidas através das investigações policiais era a de que os réus comercializavam as carnes dos animais clandestinamente abatidos e carneados”, disse o relator, acrescentando que, “assim sendo redimensiono as penas dos réus para 03 (três) anos de reclusão, o que se mostra em melhor sintonia com os critérios de necessidade e suficiência para a prevenção e reprovação do crime. Mantenho o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, tendo em vista a gravidade concreta do crime e as circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal) desfavoráveis ao réu, nos termos do § 3º do art. 33 do Código Penal”.
O relator finalizou o voto dizendo, que “de outro lado, não há falar em substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, tendo em vista que as circunstâncias judiciais desfavoráreis aos réus – culpabilidade, antecedentes criminais e circunstâncias do crime – evidenciam não ser indicada a substituição pretendida, e a gravidade concreta da conduta criminosa demonstra não ser suficiente a aplicação do referido benefício, nos termos do art. 44, III, do Código Penal. Em face do recente julgamento do Supremo Tribunal Federal no HC 126292, sobre a possibilidade de o réu iniciar o cumprimento da pena imediatamente após decisão de 2ª Instância, determino a extração do PEC provisório e a expedição de mandado de prisão. Ante o exposto, desprovejo o apelo do Ministério Público e provejo, em parte, o apelo defensivo para redimensionar as penas privativas de liberdade dos réus para 03 (três) anos de reclusão, a serem cumpridas inicialmente em regime semiaberto”.