Causos, contos e lendas são temas do primeiro episódio do Antena Qwerty
Conheça mais sobre as histórias, costumes e tradições da nossa gente
No primeiro episódio do Antena Qwerty vamos falar sobre alguns dos contos, causos e lendas que integram a cultura popular pedritense. Histórias, costumes e tradições passadas de geração em geração e que compõem o imaginário da nossa gente.
Você já ouviu falar nas correntes que soltam?
O fato é interessante e é possível comprová-lo vez por outra em Dom Pedrito, ou seja, a prática de soltar as correntes das sepulturas. Apesar de comum, talvez você não tenha reparado nesse detalhe, mas qual é o significado?
Algumas sepulturas mais antigas possuem ao seu redor, correntes que servem tanto para delimitar o espaço, quanto forma de adorno. E são essas correntes que às vezes são literalmente soltas em uma de suas pontas. Acreditam alguns que assim fazendo, estão libertando o espírito da pessoa ali sepultada.
Adilson Nunes de Oliveira, professor, museólogo e diretor do Museu Paulo Firpo, conta que na década de 1980 foi até Bagé buscar Paixão Cortes para uma palestra aqui na cidade, e relatou essa prática ao tradicionalista, que ficou admirado e quis ver de perto o fato. Já no cemitério, depois de ter recolocado uma dessas correntes e de dar algumas voltas no interior da necrópole, ao passar no mesmo lugar, alguém já havia soltado a corrente novamente, comprovando mais uma prática do folclore pedritense.
A coberta da alma e o velório da cruz
A crença da coberta da alma acontece quando morre uma pessoa, e que a família presenteia alguém, geralmente importante na vida do finado ou finada, com uma roupa do mesmo.
Trata-se de uma distinção ao presenteado, uma forma de homenageá-lo por motivos que só a família sabe. Quem é escolhido para receber a roupa do morto não pode recusar o presente, visto que seria uma indelicadeza de sua parte. Como forma de agradecimento, na missa de sétimo dia, o presenteado deveria se apresentar vestindo a roupa do finado.
Já o velório da cruz é um costume que era visto antigamente e foi registrado por Paixão Côrtes em seus escritos. Conta-se que ocorria quando uma pessoa morria “de repente”. Bom, o morto era velado e sepultado. Ao sétimo dia, era velada uma cruz na casa do finado, geralmente no interior.
Lá pelo meio da madrugada havia o café, o bolo frito, a piada, a gozação, a brincadeira e no dia seguinte levavam essa cruz para o lugar do túmulo.
Aristides Caetano Dutra
Vida
Aristides nasceu em 14 de agosto de 1919, no Ponche Verde, perto do Bolicho da Pedra, filho de José Antônio Dutra e Maria Antônia Caetano Dutra. Casado com Verônica Dutra e pai de oito filhos. Ele era um dos oito ou nove filhos do casal, como era comum na época. Órfão de pai aos cinco anos, precisou logo pegar no batente para ajudar a família numerosa. Mais moço trabalhou na viação férrea, em Santa Maria, período em que se dava a construção dos trilhos naquela localidade.
O despertar de um dom
Quando trabalhava na viação férrea, em Santa Maria, já com 18 anos de idade, uma manhã, ao acordar, percebeu que estava cego. Aristides foi para fora da casa onde morava, sentou e pensou: “Meu Deus, o que vai ser de mim? Eu tenho minha mãe para sustentar e tenho meus irmãos menores”. Nisso ele enxergou uma luz, e nessa luz ele viu a imagem de Nossa Senhora que disse-lhe: “Vai ali fora que tem uma ervinha, passa nos teu olhos”. Foi o que ele fez e, a partir daí voltou a enxergar. Aristides seguiu sua vida trabalhando, mas depois desse episódio, ele teve essa habilidade, esse dom aflorado, algo que ele não era capaz de conter – olhava para uma pessoa e dizia o que ela tinha, que doença a afligia, e dava a solução, indicava o remédio, e elas se curavam. Ele era o que hoje se denomina como um médium de cura.
Trabalho
Aristides, como já mencionamos, não fazia de sua mediunidade o meio de vida, aliás, esta premissa sempre esteve presente em sua vida. Atendendo pessoas de diferentes credos e mesmo aquelas que não criam em nada, sua missão não atrapalhou a vida profissional, tampouco a familiar. Proprietário de um armazém e de uma pequena chácara, era dai que tirava seu sustento, e com a ajuda da esposa, que faziam pães, bolos, balas para vender, seguiu sua jornada. Mais tarde, assumiu também a representação comercial de um laboratório farmacêutico de produtos naturais. Aristides atendia a todos em casa, sem dia e horários determinados. Mais adiante, nos fundos da casa, construiu, então, o seu centro espírita – o Centro Espírita Jesus de Nazaré, onde gente de toda parte acorria a procura de seu auxílio.
O túmulo e as promessas
Perto de morrer Aristides escolheu como última morada o alto de Serrinha, tanto que algum tempo antes até os tijolos já estavam lá em cima depositados para a construção do túmulo. Quando possuía um armazém, que ficava no pé da Serrinha, onde hoje está o Cemitério Jardim da Paz, ele frequentemente olhava para o alto e dizia: “lá em ima é onde eu quero ser enterrado, e de lá eu vou olhar e ajudar o meu rebanho aqui na terra”, e assim o fizeram. No dia de sua morte, então, amigos e familiares construíram o túmulo no mesmo dia. Devido à grande fama obtida em vida, e a fé popular, seu Aristides, depois da morte seguiu sendo procurado por centenas de pessoas que, à maneira de um santo, recorrem a ele, fazem promessas e afirmam estarem sendo atendidas, e não é a toa que sua sepultura, no alto da Serrinha, está repleta de placas em agradecimento. Para abranger todos as histórias que envolvem o seu nome, seria necessário um livro. Nós, contudo, tentamos mostrar um pouco de quem foi e continua sendo este homem. Santo para uns, médium para outros, um ídolo indiscutível para todos.
A predição da própria morte
Perto de falecer Aristides começou a visitar os vizinhos e amigos e disse: “Olha, amigos, eu venho aqui convidar vocês para no dia 25 de abril, vocês irem lá no centro espirita que vai haver uma grande movimentação, uma grande reunião. Nessa reunião eu vou estar lá, mas só quem vai falar são os outros”, fato que deixou as pessoas curiosas e espantadas de- pois que tudo se confirmou. No dia 25 de abril de 1986, portanto, seu Aristides, depois de terminar seu último atendimento, uma mulher, deu um abraço nela chegou em casa, sentou à mesa e morreu, como havia previsto. O corpo foi velado em seu centro espirita, sendo considerado até hoje, o maior que já acontecem em Dom Pedrito. Conta-se que o cortejo era tão grande que, quando estava chegando na Serrinha, ainda havia carros na Rua 21 de Abril.
Não há em Dom Pedrito, quem já não tenha ouvido falar Aristides Caetano Dutra, aliás, seu nome ultrapassou as fronteiras da Capital da Paz. Possuidor de um dom, se assim nos podemos exprimir, Aristides foi e, continua sendo, lembrado e procurado pelos inúmeros feitos na área da espiritualidade, onde muitos atribuem a ele a cura de inúmeras doenças.
O retiro espiritual
Com aproximadamente 30 anos, um pouco mais, um pouco menos, sob a orientação de seus mentores espirituais, algo que nem mesmo Aristides sabia o que era nesta época, ele se recolheu em um retiro espiritual. Durante 40 dias, acampado no mato, provavelmente às margens do Rio Santa Maria, ele permaneceu, não se sabe exatamente o que fazendo, mas o fato é que o seu dom e a sua fama só faziam aumentar.
A cacimba junto ao túmulo
No cercado onde se encontra o túmulo de Aristide está um pequeno reservatório que vez por outra acumula a água da chuva. Acreditam alguns que essa água possui propriedades curativas e dela se servem para ungir diferentes males, mostra da fé popular no santo pedritense.
Firmina Pedrosa
Saindo um pouco desses contos fúnebres ou devocionais, Adilson falou um pouco sobre um desses personagens urbanos que se fazem conhecidos por seu modo de ser pouco comuns, com modos extravagantes, peculiares aos que vivem realidades paralelas. Trata-se de Firmina Pedrosa, mulher que, segundo contam, teria nascido por volta da década de 1860 e parecia “não ser bem certa”, mas era muito querida na cidade.
Sua característica principal era a de andar sempre muito pintada, arrumada, com brincos, colares, pulseiras, bastante produzida, como diriam nos dias de hoje. Como era natural, as pessoas costumavam “enticar”, “mexer”, quer dizer, fazer gozação com ela por causa do seu jeito. Costumava andar pelas ruas e visitar algumas casas, quando, vez por outra, recebia mais enfeites ainda.
Certa vez inventaram de dizer que ela era a rainha do carnaval, a fantasiaram e saíram com ela pelas ruas da cidade, chegando em uma ou outra casa, onde eram recepcionados, e oferecidos quitutes, refrescos, bebidas. Certa feita, alguém, por picardia, ofereceu um laxante para Firmina. Dá para imaginar como terminou o seu reinado.
Outra brincadeira de mau gosto que Firmina sofreu, foi quando um militar recém-chegado à cidade, carioca, de fala chiada e mansa, bonito, encantou o coração da Firmina. Foi o que bastou para inventarem um casamento dela com o soldado, que entrou na brincadeira. Vestiram-na de noiva, montaram uma espécie de altar em frente à igreja, e até um pároco foi providenciado, de mentirinha, é claro. A cerimônia iniciou e prosseguiu até o momento em que o noivo deveria dizer o “sim”, quando, dois falsos policiais chegam e prendem o noivo. A brincadeira sai do controle com uma violenta crise de revolta de Firmina, e as pessoas assustadas de verdade. Bom, o caso é que em Dom Pedrito se criou uma expressão para a mulher que anda muito maquiada, muito enfeitada, que é: “tu estás igual à Firmina Pedrosa”, ou “Tu parece a Firmina Pedrosa”, numa referência direta ao modo como ela se vestia, um ditado tipicamente pedritense.
Colaboração
Adilson Nunes de Oliveira – professor, museólogo e diretor do Museu Paulo Firpo
Acervo do Museu Paulo Firpo